segunda-feira, 3 de maio de 2010

O lobo e a lua

E meio à descida da rua, ela me acompanhava me fitando, como há muito tempo não fazia.

Eu dei aquele olhar de reencontro, de surpresa boa que aconteceu.

Na chegada em casa, o ranger do portão despertou o latido que vinha do quintal.

Entrei, em meio ao escuro, sendo recebido carinhosamente em casa pelos cachorros.

E eu só olhando pra cima, interessado em algo bem distante.

Sentei no banco com um cigarro na mão, na outra, os cães que insistiam em trocar afagos.

Mal podendo conter o sorriso bobo do nosso reencontro, eu só prestava atenção para o céu.

Dessa vez o silêncio durou bastante.

Fiquei olhando os cachorros como me perguntando se eles não estavam notando sua presença.

Um deles pôs as patas sobre minhas coxas e me olhou como eu olhava pra lua.
Ficamos nos observando como se esperasse alguma conversa.

Acariciei suas orelhas e perguntei:

- Por que vocês não olham mais pra lua?

- Eles foram domesticados, ela me respondeu.

Feliz com a quebra do silêncio, voltei a fitá-la

- Bom te ver de novo.

- Poisé, muito tempo, estás diferente.

- Eu sei, tenho me sentido assim mesmo, desde a última vez que nos vimos, na beira da praia, lembra?

- Claro que sim, como poderia não lembrar?

- Andei meio recluso, quieto, é verdade. Tentando me encontrar, me situar em algum lugar.

- Tenho percebido, mesmo. Mas essa inquietação toda tem motivo?

- Tem sim, deve ser a falta de lugar, meu lugar, que ainda não achei. Agora tenho me sentido meio como você, assim, em órbita de alguma coisa, só não sei o que.

- Mas eu tenho o meu lugar, é aqui em cima. Eu nunca saio de perto de vocês. Alguns dizem que aos poucos sim, mas é bem pouquinho mesmo.

- É verdade. Mas tenho tentado me sentir como um camelo atravessando um deserto. Paciência é a chave.

- É, tenho certeza que sim. Faz parte do teu novo caminho. Lembra de quantos caminhos um homem tem que caminhar antes de ser chamado homem, não?

- Lembro sim. O problema não são os caminhos. Mas por vezes me sinto um lobo em meio aos cachorros, domesticados, correndo atrás dos próprios rabos.

- Mas sabes o que te diferencia deles, então?

- Sei sim. Eu sempre olho pra ti.

- É muito fácil cair na armadilha de ser domesticado e estar perto de afago e comida. Mas tudo isso tem um preço, sabes disso. Enquanto uivares para a Lua, vais te lembrar do que és e do que queres.

Concordei com a cabeça e olhei os cães ao meu redor.

Por que vocês não olham mais pra lua? Perguntei de novo.

Me levantei e servi um pouco de comida pra eles.

Eles foram correndo felizes em direção aos seus comedouros.

E eu, desapontado, olhei pra lua e dei de ombros.

Ela piscou pra mim como se dissesse “vai ser sempre assim”

Respirei fundo e fechei os olhos, como se sentisse a luz da lua em meu rosto, como só os loucos e os lobos fazem.