E meio à descida da rua, ela me acompanhava me fitando, como há muito tempo não fazia.
Eu dei aquele olhar de reencontro, de surpresa boa que aconteceu.
Na chegada em casa, o ranger do portão despertou o latido que vinha do quintal.
Entrei, em meio ao escuro, sendo recebido carinhosamente em casa pelos cachorros.
E eu só olhando pra cima, interessado em algo bem distante.
Sentei no banco com um cigarro na mão, na outra, os cães que insistiam em trocar afagos.
Mal podendo conter o sorriso bobo do nosso reencontro, eu só prestava atenção para o céu.
Dessa vez o silêncio durou bastante.
Fiquei olhando os cachorros como me perguntando se eles não estavam notando sua presença.
Um deles pôs as patas sobre minhas coxas e me olhou como eu olhava pra lua.
Ficamos nos observando como se esperasse alguma conversa.
Acariciei suas orelhas e perguntei:
- Por que vocês não olham mais pra lua?
- Eles foram domesticados, ela me respondeu.
Feliz com a quebra do silêncio, voltei a fitá-la
- Bom te ver de novo.
- Poisé, muito tempo, estás diferente.
- Eu sei, tenho me sentido assim mesmo, desde a última vez que nos vimos, na beira da praia, lembra?
- Claro que sim, como poderia não lembrar?
- Andei meio recluso, quieto, é verdade. Tentando me encontrar, me situar em algum lugar.
- Tenho percebido, mesmo. Mas essa inquietação toda tem motivo?
- Tem sim, deve ser a falta de lugar, meu lugar, que ainda não achei. Agora tenho me sentido meio como você, assim, em órbita de alguma coisa, só não sei o que.
- Mas eu tenho o meu lugar, é aqui em cima. Eu nunca saio de perto de vocês. Alguns dizem que aos poucos sim, mas é bem pouquinho mesmo.
- É verdade. Mas tenho tentado me sentir como um camelo atravessando um deserto. Paciência é a chave.
- É, tenho certeza que sim. Faz parte do teu novo caminho. Lembra de quantos caminhos um homem tem que caminhar antes de ser chamado homem, não?
- Lembro sim. O problema não são os caminhos. Mas por vezes me sinto um lobo em meio aos cachorros, domesticados, correndo atrás dos próprios rabos.
- Mas sabes o que te diferencia deles, então?
- Sei sim. Eu sempre olho pra ti.
- É muito fácil cair na armadilha de ser domesticado e estar perto de afago e comida. Mas tudo isso tem um preço, sabes disso. Enquanto uivares para a Lua, vais te lembrar do que és e do que queres.
Concordei com a cabeça e olhei os cães ao meu redor.
Por que vocês não olham mais pra lua? Perguntei de novo.
Me levantei e servi um pouco de comida pra eles.
Eles foram correndo felizes em direção aos seus comedouros.
E eu, desapontado, olhei pra lua e dei de ombros.
Ela piscou pra mim como se dissesse “vai ser sempre assim”
Respirei fundo e fechei os olhos, como se sentisse a luz da lua em meu rosto, como só os loucos e os lobos fazem.
segunda-feira, 3 de maio de 2010
O lobo e a lua
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