terça-feira, 12 de agosto de 2008

Eu e o boi, o boi e eu...

Já tiveste a sensação de se sentir observado? Não no meio da multidão, mas no meio do nada. Aconteceu uma vez comigo...

O ano era 2004 e eu tava tendo uma experiência nova pra um recém-formado: dar aulas. Nunca tinha sido nem monitor de turma, além de durante muito tempo, aliás durante a maior parte da minha vida, ter sido um poço de timidez.

Bem, uma semana depois de sair de um trabalho em uma agência, recebi a ligação de um amigo falando sobre uma proposta para dar aulas num curso técnico de design de jóias em Itaituba, no interior do estado (distante mais ou menos 900km de Belém). Sem ter perspectivas de trabalho e sem vontade de correr atrás até o próximo ano (era final de novembro), a missão era ministrar uma disciplina de introdução ao design e história da arte, tudo isso, na semana seguinte da ligação.

Uma semana depois do aceite sem muito pestanejo, chego em Itaituba. A escola técnica de produção de lá ficava distante uns 10km do centro da cidade, na tão famosa transamazônica. O caminho até a escola foi surpreendentemente bom, era tudo asfaltado, aliás, o asfalto ia até a escola, depois era aquela coisa que a gente vê na TV. A escola era bonita, bem organizada, mas era tudo muito novo, as máquinas, as instalações, aquele cheiro de tinta ainda e, pra minha surpresa ainda não tinha telefone nem internet no ambiente. Logo eu que era viciado nessas coisas.
A história toda ia durar uns 20 dias apenas, mas logo q eu comecei a dar aulas e passar o resto do dia sem muita coisa pra fazer que eu pude sentir o tempo dilatar e se tornar quase interminável. Eu ficava numa casa dentro da escola mesmo dedicada aos professores visitantes, ao lado de outra casa dedicada às professoras na mesma situação, tinham duas lá, uma bacana e outra chata.

Tudo ia transcorrendo nessa monotonia total, entrecortadas por alguns dias em que dava pra fugir um pouco pra cidade na carona de um professor e eu matava a saudade da internet em uma lanhouse qualquer, até que chegou o final de semana. O que era chato se tornava pior, já que todos os alunos sumiam, assim como os outros professores e a civilização se fazia mais distante.

A escola era cercada por fazendas, ficava um breu durante a noite, fazendo com que os postes que iluminavam a área tornassem visíveis apenas onde a luz batia no chão. Em meio aquele cenário noir, numa noite sem muita nuvem, eu fumava um cigarro na janela do quarto olhando pra cima e meditando sobre as coisas da vida e como era que eu tinha vindo parar lá. Nesse momento bateu a sensação de sentir-se observado e também o medo, sabendo que tinha poucas almas vivas dentro daquela escola. Eis que eu vejo depois da cerca que ficava a poucos metros da janela um boi me olhando como se estivesse fumando um cigarro e meditando sobre coisas da vida também.

Eu continuei fumando e olhando pro boi como se conversasse com ele sobre aquele momento, aquele sentimento de solidão e ele completamente parado, me encarando, parecia que a qualquer momento ele ia dizer alguma coisa, tipo quando alguém me conta alguma coisa e espera que eu dê um feedback. Por alguns instantes eu esperei o boi dizer alguma coisa do tipo: - “Bicho, é o seguinte... No fim das contas mesmo, sou eu e tu e tu e eu...”, mas como o que eu fumava um Hollywood mentolado e não outras coisas mais pesadas, o boi não abriu a boca nem prum “Muu!” básico.

Não sei o motivo, mas a surrealidade da cena ficou na minha cabeça por uns tempos e sempre quando eu tenho esses momentos reflexivos sobre a solidão ou então sobre a questão da vida fora do sistema solar, que não deixa de estar ligado ao primeiro assunto, eu me lembro deste causo.

Talvez o que ele tenha querido me dizer mas não teve palavras pra expressar suas idéias é que realmente somos sós ao tomarmos caminhos e decisões nas nossas vidas mas que mesmo em momentos assim é possível não se sentir só no mundo.

Sem abrir a boca, aquele boi me disse coisas interessantes mais do que muita gente nesse mundo, e eu comecei a entender os caminhos e as decisões que as pessoas tomam que por mais que te levem a lugar e momentos inesperados são extremamente importantes pra nossa própria formação e amadurecimento.

Enfim, lembrei dessa história quando o Marcel e a Gabi (o casal pimbinha) deram início a jornadas solitárias mas que vão fazer muito bem aos dois.

Dedico este post a eles e desejo toda sorte nessa empreitada.

: )

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